Brasil de Pelotas
quinta-feira, junho 23, 2016
O Grêmio Esportivo Brasil passou a existir em 7 de setembro
de 1911, mas a história dele é mais antiga que a fundação. Tudo começou no
início do século XX, no Sport Club Cruzeiro do Sul, que era dirigido por
funcionários da extinta Cervejaria Haertel, em Pelotas. Apesar do âmbito
social, nem todos os mantenedores da agremiação conviviam em harmonia, e de uma
discussão nasceu o rubro-negro.
O episódio aconteceu na sede do Cruzeiro do Sul, que ficava
ao lado da fábrica. Certo dia, enquanto alguns colaboradores colocavam uma
cerca ao redor do campo, os atletas apareceram para treinar. Automaticamente o
time foi convocado a cooperar com a obra e adiar o treinamento. Mas o pedido
imposto não agradou aos jogadores, que, frustrados, foram embora.
Dois daqueles rapazes, que pertenciam ao elenco do Cruzeiro
do Sul e foram praticamente obrigados a abandonar o treino, saíram caminhando
juntos até parar em um terreno no centro de Pelotas para discutir a ideia de
criar uma nova equipe de futebol. Os dois inconformados eram Breno Corrêa da
Silva e Salustiano Brito, e, por ironia do destino ou não, o terreno onde eles
pararam para conversar ficava bem próximo do local que hoje todo mundo conhece
por Baixada, o estádio Bento Freitas.
Imediatamente após aquele diálogo, Breno e Salustiano
resolveram marcar uma reunião para a fundação de um novo clube. O tal encontro
aconteceu na casa do pai de Salustiano, no prédio número 56 da Rua Santa Cruz
(centro de Pelotas). Passadas algumas assembleias, foi formada a primeira
diretoria com Dario Feijó, presidente; Silvio Corrêa da Silva, vice; Walter
Pereira, 1º secretário; Raymundo do Rego, tesoureiro; Breno Corrêa, adjunto; e
os diretores Manoel Joaquim Machado, Ulysses Carneiro, Manoel de Souza, Nicolau
Nunes, Paulo Castro e Mário Reis. E no dia 7 de setembro de 1911, dia da
independência do país, estava fundado o Grêmio Sportivo Brasil. Com ‘S’ mesmo,
como se grafava na época.
PRIMEIROS PASSOS…
PRIMEIROS TÍTULOS
O primeiro jogo oficial do então Grêmio Esportivo Brasil foi
um amistoso contra o Sete de Setembro (Pelotas), e terminou empatado em 2 a 2,
com dois gols de Diogo Rodrigues. A partida foi jogada em ‘campo aberto’, sem
muros, no bairro Fragata, ainda no ano de fundação do clube da Baixada, que
naquele tempo, aliás, ainda nem sonhava em ter um estádio. Em 1912 veio a
primeira vitória: 2 a 0 em cima do Tiradentes (Pelotas), também em partida
amistosa.
Já no ano seguinte o rubro-negro passou a disputar partidas
oficiais, ingressando pela primeira vez no Campeonato Citadino de Pelotas. Sem
experiência no certame, o time acabou ficando em último lugar na competição.
Porém, a Liga Pelotense de Futebol (LPF) reconheceu o esforço dos atletas e
agraciou o Brasil com o ‘Troféu Estímulo’, concedido pela dedicação e pela raça
com que a equipe entrava em campo.
Mal sabiam os dirigentes da LPF o quão estimulados ficariam
os jogadores com aquele prêmio. Tanto que na edição seguinte do torneio eles já
colocaram o clube na terceira colocação geral. Depois vieram dois vice-campeonatos,
e logo em 1917 a conquista do primeiro título de campeão da cidade, e de forma
invicta. Era a maior façanha que o Brasil poderia almejar naquele momento, até
porque ainda não existiam competições maiores ou mais abrangentes.
Só em 1919, quando o rubro-negro já era tri-campeão Citadino,
surgiu um novo desafio: o primeiro Campeonato Gaúcho da história. Embalado
pelos triunfos recentes, o Brasil encarou 16 horas de viagem em um navio a
vapor – de Pelotas a Porto Alegre – para disputar a grande decisão com o Grêmio
Foot Ball Portoalegrense. A partida foi realizada no dia 9 de novembro daquele
ano, e com Frank; Nunes e Ari Xavier; Floriano, Pedro e Babá; Farias, Ignácio,
Proença, Alberto e Alvariza; a equipe pelotense superou o favoritismo do clube
da capital, e aplicou uma goleada de 5 a 1 em cima do Grêmio. Fazendo do Brasil
o primeiro campeão gaúcho de todos os tempos.
Um dos registros mais genuínos desta grande conquista
rubro-negra é a reportagem do jornal Correio do Povo, do dia 11 de novembro de
1919. O texto, muito charmoso e cheio de peculiaridades da época, começa assim:
“Como era esperado, alcançou o mais franco sucesso o match jogado na tarde e
ante-ontem no Ground do Moinhos de Vento, para a disputa do Campeonato
Estadual. Concorreram a essa prova as equipes do Grêmio Sportivo Brasil,
Campeão da Liga Pelotense e o Grêmio Foot Ball Portoalegrense, Campeão da
Associação Portoalegrense de Desportos. Pela primeira vez foi disputado o
Campeonato Estadual, sob os auspícios da Federação Riograndense de Desportos e
o honroso titulo de Campeão coube a equipe do foot-ball pelotense”.
Na sequência o periódico da capital lamenta o fato de o
Grêmio não ter levado a melhor no confronto, mas reconhece a superioridade do
time do interior. “O foot-ball pelotense teve uma excelente representação,
superior ainda ao que se esperava. Os onze jogadores do Grêmio Esportivo
Brasil, não descuidaram um momento para vencer o seu adversário, fazendo todo o
possível para se sair honrosamente. A sua vitória, não sofre a mínima
contestação, representando ella o esforço da inteligência dos onze hábeis
players. A sua atuação deixou a melhor impressão e os aplausos que receberam,
durante o match, foram uma prova evidente de que souberam jogar com muita
táctica e vencer como se deve. (…) É justo o júbilo dos pelotenses; é justa a
vitória do Grêmio Esportivo Brasil, e tanto mais digno de apreço, porque ela
foi conquistada com players patrícios, que aprenderam a jogar, e se fizeram
fortes, exclusivamente nos grounds de Pelotas”. Destacou o jornalista, que
encerrou a matéria falando dos aplausos recebidos pela equipe campeã ao final
do jogo, e da atuação ‘calma’ e ‘homogênea’ do Brasil frente ao tricolor.
Para o retorno do grupo de jogadores a Pelotas foi preparada
uma grande festa. Milhares de torcedores recepcionaram a delegação no cais
porto. Houve queima de fogos e uma passeata até a Praça Coronel Pedro Osório,
no centro da cidade, onde foram prestadas muitas homenagens aos grandes
campeões. Mais tarde aquela conquista seria eternizada com a representação de
uma estrela prateada sobre o escudo, que até hoje continua brilhando e fazendo
lembrar que o Brasil é o primeiro campeão estadual da história, e que este
título ninguém pode tirar do rubro-negro.
A conquista de 1919 ainda rendeu ao clube Xavante o convite
para o primeiro Campeonato Brasileiro do país. Em 1920 a Confederação
Brasileira de Desportos (CBD – atual CBF) organizou um torneio entre os
campeões estaduais para observar possíveis integrantes da Seleção Brasileira,
visando a disputa dos Jogos Olímpicos e do Campeonato Sul-Americano. A
competição aconteceu no Rio de Janeiro, e, além do campeão gaúcho, contou com a
participação do Fluminense (campeão carioca) e do Paulistano (campeão
paulista), que ficou com o caneco.
EXCURSÃO PELAS
AMÉRICAS
Em 1956 o GE Brasil partiu em uma excursão pelas Américas do
Sul e Central, disputando amistosos em nove países diferentes. Porém, o que
impulsionou essa maratona internacional de jogos foi uma gloriosa aventura
rubro-negra em solo estrangeiro, que ocorreu alguns anos antes. Em 1950 o
Xavante foi convidado para enfrentar a seleção uruguaia, que estava se
preparando para a Copa do Mundo daquele ano. Os uruguaios chamaram o GE Brasil
para que ele fosse uma espécie de sparring do selecionado celeste. Mal sabiam
eles o que o time da Baixada iria aprontar em pleno estádio Centenário.
Tudo aconteceu no dia 19 de março. A equipe rubro-negra
chegou ao país vizinho de carro motor, e escalada com Tibirica, Seara, Tavares,
Dario, Taboa, Mortosa, Manuel, Darcy, Galego e Lombardini; venceu o Uruguai por
2 a 1 (gols de Mortosa e Darcy). No retorno a Pelotas, a delegação rubro-negra
foi recebida com uma grande festa. Em uma das maiores manifestação populares
vistas na cidade, comparada, inclusive, com a passagem do Presidente Getúlio
Vargas, que havia visitado a região algumas semanas antes. Para engrandecer
ainda mais o triunfo Xavante, quatro meses depois aquela mesma seleção uruguaia
se sagrou campeã mundial ao bater a seleção canarinho na decisão da Copa do
Mundo de 1950, no famoso Maracanaço.
Com o sucesso e a repercussão daquela vitória histórica, o GE
Brasil passou a receber inúmeros convites para disputar amistosos em outros
países, e em 1956 o clube iniciou uma excursão de mais de 100 dias pelas
Américas. O time Xavante enfrentou grandes equipes do futebol sul e
centro-americano, passou pelos mais diversos climas, encarou grandes altitudes,
viagens cansativas e, por vezes, algumas comidas exóticas. No fim, o saldo foi
extremamente positivo. Em 28 jogos disputados, foram 16 vitórias, 6 empates e 6
derrotas; 75 gols marcados e 50 sofridos.
A primeira partida da excursão foi realizada no dia 14 de
julho, e o rubro-negro não se deu bem. Em Assunção, no Paraguai, o time
pelotense perdeu para o Cerro Porteño, por 3 a 0. Entretanto, no dia seguinte,
ainda na capital paraguaia, a equipe se recuperou ao vencer o Olímpia por 3 a
2. Aquela vitória acabou com uma imensa invencibilidade do Olímpia, que fazia
20 anos que não perdia para um clube estrangeiro e estava prestes a se tornar
campeão nacional.
A segunda nação visitada foi a boliviana. Em Cochabamba, o
Brasil venceu o Jorge Wilstermann, por 5 a 2. Na partida seguinte, a equipe do
técnico Gastão Leal sofreu a única goleada na excursão pelas Américas, perdendo
pelo placar de 8 a 2 para a Seleção de La Paz. Da Bolívia, o rubro-negro viajou
até o Peru, onde disputou dois amistosos em Arequipa, vencendo o primeiro por 2
a 1, contra o Pierola; e empatando o segundo em 1 a 1, com o White Star. Já na
cidade de Ica, o Brasil goleou o Octavio Espinoza por 6 a 2; na capital Lima,
ficou em um 0 a 0 como Universitario; e em Chiclayo, a equipe Xavante acabou
derrotada por 4 a 1, pelo José Pardo.
A quarta parada do time gaúcho, depois que quase um mês na
estrada, foi no Equador. Naquele país o time da Baixada venceu o Valdez por 3 a
1, e empatou com o Emelec em 2 a 2, na cidade de Guayaquil. Já na capital
Quito, fez 3 a 0 no España. Com os resultados, o Xavante acabou saindo invicto
do solo equatoriano, rumo à Colômbia, onde jogou outras três partidas. Um
empate em 0 a 0 com a Seleção do Valle del Cauca, em Cáli; uma golada de 4 a 0
no América, na mesma cidade; e uma
derrota por 2 a 1, para o Nacional, em Medellín.
Após passar por Paraguai, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia,
o rubro-negro seguiu para a América Central. O primeiro país visitado foi o
Panamá, e na primeira passagem o time obteve 100% de aproveitamento. Goleada
por 5 a 1 em cima do Martell; e vitória por 3 a 2 sobre o Fastlich, ambas as
partidas foram realizadas na Cidade do Panamá. Ainda na América Central, mas na
cidade de San José, na Costa Rica, o Xavante encarou só pedreiras. Perdeu por 3
a 1 para o Alajuella, e por 1 a 0 para o Saprissa. Em Honduras, o Brasil
começou com vitória apertada de 4 a 3 sobre o Olimpia, em Tegucigalpa. E
depois, em San Pedro Sula, empatou em 1 a 1 com o Hibueras. Já a passagem por
El Salvador foi marcada por três vitórias em três partidas: 5 a 3 no Atlante, 3
a 0 no Olimpia e 4 a 3 no Atlético Marte. Da capital San Salvador, a equipe
brasileira regressou para a capital panamenha, para mais dois amistosos. Um
passeio sobre o Fastlich, aplicando 6 a 1; e um empate em 4 a 4 com a Seleção
do Panamá, na partida que encerrou a passagem vermelha e preta pela América
Central.
A essa altura o time da Baixada já havia percorrido milhares
de quilômetros. Contudo, antes de voltar para casa, o Xavante ainda disputou
outras duas partidas na Colômbia. Vencendo o Libertad, em Barranquilla, por 1 a
0; e massacrando o Magdalena por 5 a 0, em Santa Marta, na cidade que marcou o
fim da excursão do Grêmio Esportivo Brasil pelas Américas, no dia 24 de outubro
de 1956.
MÁQUINA XAVANTE
Em 1985, o Brasil teve uma passagem brilhante pelo Campeonato
Brasileiro. Eliminou grandes clubes do cenário nacional, como Ceará, Bahia,
Ponte Preta e o todo poderoso Flamengo, e ficou em terceiro lugar na
classificação geral. Naquele ano o rubro-negro talvez tenha atingido o maior
ápice de sua história no futebol, ao realizar o que até hoje é a melhor campanha
de um clube do interior gaúcho em Brasileirões.
“Nunca fomos tão longe numa competição em nível nacional e
com tantos clubes de ponta do país. O trabalho da comissão técnica, iniciado em
83, com Luiz Felipe Scolari (Felipão) e com Mortoza, depois seguido por Valmir
Louruz, foi o marco do grande sucesso. Nossos atletas vestiram a camiseta de
paixão e se contagiaram com o a explosão do nosso torcedor”, disse Rogério
Moreira, Presidente do GE Brasil em 1985.
Além do profissionalismo, a equipe Xavante tinha uma
determinação fora do normal. Jogava com muita garra, uma característica
marcante e sempre exigida de quem veste a camisa rubro-negra. Nas partidas da
Baixada, uma grande massa pintada em vermelho e preto empurrava o time para
vitórias memoráveis. A principal delas foi contra o Flamengo (assista o
compacto acima), na partida onde o Brasil garantiu a classificação às
semifinais, e o estádio Bento Freitas recebeu o maior público de sua história.
Depois de eliminar o time de Zagalo, Zico e companhia, a equipe
perdeu para o Bangu na fase seguinte da competição. Mesmo assim, ficou entre as
três maiores forças do país em 1985. Realizando uma campanha inesquecível, que
é motivo de imenso orgulho para o clube pelotense.
A NOITE QUE NÃO ACABOU
Em 15 de janeiro de 2009 foi escrito o capítulo mais triste
da história do clube da Baixada. A equipe Xavante, que estava em plena
preparação para o Campeonato Gaúcho, havia disputado um jogo-treino contra o
Santa Cruz, no Vale do Sol. No retorno a Pelotas, por volta das 23h30, o ônibus
que transportava a delegação do Brasil tombou em uma curva no quilômetro 150 da
BR-392, próximo ao município de Canguçu. O veículo despencou de um barranco de
quase 40 metros, causando uma grande e comovente tragédia para toda a nação
rubro-negra, que acabou perdendo três guerreiros naquela noite.
O preparador de goleiros Giovani Guimarães; o zagueiro prata
da casa Régis Gouveia; e o ídolo uruguaio Cláudio Milar não resistiram ao
acidente. Além disso, das 31 pessoas que estavam a bordo (entre jogadores,
comissão técnica, dirigente e funcionários), quase todas ficaram feridas.
Alguns atletas, inclusive, tiveram lesões tão sérias, que foram obrigados a
abandonar a profissão.
No dia seguinte ao desastre, milhares de torcedores compareceram
ao estádio Bento Freitas para prestar as últimas homenagens àqueles que
morreram defendendo as cores do rubro-negro. O velório, realizado no gramado do
estádio Bento Freitas, foi marcado por muita comoção e abatimento por parte dos
familiares das vítimas, da torcida Xavante, das autoridades, enfim, de todos os
que estavam vendo tudo aquilo, mas sem conseguir acreditar no que estava
acontecendo.
Sem saber como agir diante daquele fato tão lastimável, de
início a Direção Executiva do GE Brasil cogitou até a possibilidade de não
disputar o Gauchão de 2009. Pois o clube estava passando por um momento muito
difícil e não tinha mais estrutura para a competição. Levando em conta que boa
parte do elenco, inclusive a comissão técnica, estava hospitalizada e não poderia
entrar em campo.
Porém, depois de algumas reuniões e do adiamento da estreia
rubro-negra, que estava programada para o dia 22 do próprio mês de janeiro, os
dirigentes Xavantes chegaram à conclusão de que era preciso encarar o
campeonato. Porque somente assim, com arrecadação de bilheteria e aporte de
investidores, o Brasil teria como ressarcir todos os prejuízos do acidente e
manter o clube com as portas abertas.
Claro que não foi nada fácil aquele Gauchão. Com um time
montado às pressas e sem tempo para treinar, o Xavante precisou recuperar o
tempo perdido no início da competição e disputou nada menos que oito partidas
em apenas 15 dias. A única vitória aconteceu na última rodada, 1 a 0 sobre o
Novo Hamburgo, mas a essa altura já não havia mais tempo para recuperação e o
clube teve que amargar o rebaixamento para a Segunda Divisão do estadual.
Toda essa trajetória, que chocou o país do futebol, se
transformou em livro pelas mãos do jornalista Eduardo Cecconi e do
fotojornalista Nauro Jr. A obra recebeu o título de ‘A noite que não acabou’, e
foi a mais vendida na feira literária de Pelotas, em novembro de 2009.
Atualmente, o Brasil de Pelotas está disputando o campeonato
brasileiro da série B.
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