Bebidas Gaúchas
domingo, setembro 12, 2010
Cada vez que se fala em bebida no Rio Grande do Sul, a
primeira e única que ocorre é o chimarrão. No entanto, são muitas as bebidas
tradicionais entre os gaúchos, a tal ponto que se pode dizer sem exagero que
poucos tem uma variedade tão grande de bebidas como os gaúchos.
O Mate
Há vários tipos de mate, todos preparados a base de erva
(ilex paraguariensis) e quase todos usam como recipiente a cuia de porongo e
uma bomba de metal, tradicionalmente de prata e ouro.
Como curiosamente vale dizer que no RS não se usa o tererê
(mate frio) dos paraguaios, nem o "mate cocido" de argentinos e
uruguaios.
O mate mais comum no RS é o chimarrão, amargo e quente,
servido ao chiar da chaleira, quando a água alcança a temperatura de 92°C. O
chimarrão tem história e folclore próprios, literatura e cancioneiro.
A seguir vem o mate doce, exclusivamente feminino, onde a
cuia é quase sempre de porcelana, existindo ricos exemplares que são joias de
família. A água para o mate doce é a mesma do chimarrão. E pode-se usar açúcar,
açúcar queimado ou mel.
Hoje em dia meio fora de uso está o mate-de-leite onde a água
é substituída pelo leite quente. Igualmente raro mas comum no passado o mate
com cachaça quente.
A cuia mais comum é a de porongo, uma cucurbitácea chamada
Lagenaria vulgaris. Não se faz a cuia com o porongo propriamente dito, mas sim
com a sua parte superior chamada "flor do porongo". O Rio Grande do
Sul, aliás, distingue-se do Uruguai e Argentina pelo tamanho das cuias,
enquanto o Paraguai se distingue por usar preferencialmente um chifre cortado
como cuia. A cuia mais fina é a retovada com prata e ouro. A maioria, porém tem
apenas o bocal revestido de metal. Outras tem o retovo de bexiga de porco e até
de saco de touro.
Há também cuias de madeira. A bomba mais tradicional é a de
prata mas existe também e são muitos comuns as bombas com partes em ouro e
bombas mais simples, de metal branco, as quais têm o defeito de esquentarem
muito. Uma bomba se divide em ralo, haste, pitanga ou flor e bocal, a
extremidade achatada na qual a pessoa chupa o mate. É crença que o bocal de
ouro evita micróbios e não esquenta muito. Atribui-se ao grande político sul-rio-grandense
Assis Brasil a invenção de uma bomba hoje muito comum no estado cuja haste é
achatada, sem pitanga e cujo ralo, também achatado teria 365 furos, um para
cada dia do ano. A chamada bomba Assis Brasil é sempre de prata e ouro e os
fazendeiros gostam de ostentar sua marca em ouro na haste.
Apenas por curiosidade vale lembrar que os índios guaranis,
inventores do mate, usavam uma bomba de taquara chamada tacuapi. Na hora de
matear, muitos gaúchos colocam plantas medicinais na cevadura do mate ou já na
água da chaleira. Os avios do mate compreendem a chaleira, a cuia, a bomba e o
recipiente onde se leva a erva. Modernamente é muito comum um estojo chamado
chimarrita, para levar os avios do mate.
Para se iniciar o mate põe-se a água para aquecer na
chaleira, a qual, nos galpões ou acampamentos rudes, pode ser substituída pela
cambona (uma simples lata de azeite usada com uma alça de arame torcido).
Ceva-se o mate sempre do lado esquerdo usando a palma da mão
para apertar a erva. Vale notar que David Blochtein, modernamente, inventou uma
meia lua de alumínio com alça para essa tarefa, evitando assim manchar a palma
da mão de verde. Com água ainda morna, enche-se o lado direito da cuia, em
posição inclinada e coloca-se a cuia em descanso para inchar a erva. Quando a
água, aquecendo, atinge 92°C, começa a chiar, aí tira-se a chaleira do fogo.
Com o dedo polegar da mão direita tapa-se o bocal e a bomba é introduzida
lentamente na extremidade inferior da meia-lua da cuia que está com água, até o
fundo.
Retira-se o polegar e a bomba suga a água, fazendo descer o
nível do líquido no interior da cuia. Então é hora de o cevador do mate chupar
essa água inservível e cuspir fora os goles esverdeados. Depois é só encher a
cuia com água quente e obrigatoriamente o cevador deve tomar o primeiro mate
até a bomba roncar. Só o segundo mate ofertado à primeira pessoa que estiver à
direita do cevador e, sucessivamente, a cuia andará à roda no sentido contrário
dos ponteiros do relógio.
Se a erva inchar demais ou se desparramar, o mate deve ser
"bosteado".
A Canha
A destilação do suco fermentado da cana-de-açúcar é conhecido
em várias partes do mundo, mas no RS alcançou destaque especial na região do
Litoral Norte, sendo mais famosa a cachaça "azulzinha" de Santo
Antônio da Patrulha e a "marisqueira" de Torres. Permitindo várias
misturas, a canha é muitas vezes usada até como remédio. Sempre se disse entre
os gaúchos que canha tem que ser feita por "pelo-duro", cerveja por
"alemão-batata" e vinho por "gringo".
Planta-se cana-de-açúcar de pouca variedade nas terras altas
do litoral. A cana, quando madura, é moída em moinhos rústicos movidos a tração
animal e o sumo exprimido é chamado garapa, líquido verde, grosso, adocicado e
espumoso. O líquido é deixado para fermentar até borbulhar. Isto posto, é
colocado no alambique para ferver em temperatura ideal. O melhor alambique é o
feito de cerâmica, mas o mais comum é o de cobre. A fumaça do líquido em
ebulição escapa pela serpentina, refrigerada a água, e se condensa na forma de
aguardente, a cachaça (C2H5OH - CH3-CH2-OH - Etanol). A primeira aguardente
destilada é a mais forte de todas e é chamada "cachaça-de-cabeça".
No Rio Grande do Sul é comum se fazer cachaça de abacaxi, de
mandioca, de casca de uva (chamada graspa) e até de batata inglesa.
A Cerveja
Os colonos alemães fazem artesanalmente a sua cerveja e ainda
hoje, apesar de as festas de chope estarem matando os Kerbe tradicionais, tanto
a cerveja branca "Spritzbier" como "Spatzbier" - cerveja
preta -, continuam sendo produzidas em escala familiar. Com pequenas variações,
a fórmula para o preparo de cerveja teuto-rio-grandense é a seguinte, seguinte,
de acordo com a pesquisadora gaúcha Maria Romana Selbach:
SPRITZBIER (Bebida doce, usada na colônia alemã)
- 500gr de raiz de gengibre
- 2 kg de açúcar
- 1 pitada de fermento biológico
- 1 limão
- 24 garrafas (tamanho cerveja) de água
Modo de Fazer:
- Ferver o gengibre numa panela com parte da água da receita,
por 1 hora mais ou menos.
- Retirar do fogo, coar e colocar num panelão.
- Acrescentar o açúcar, mexendo até desmanchar todo.
- Acrescentar o restante da água, o fermento e o limão
cortado em rodelas.
- Deixar descansar por umas 24 horas.
- Engarrafar, fechar com tampinhas e guardar fora da
geladeira por uns 5 dias. Quando começar a fermentar, colocar na geladeira.
CERVEJA PRETA TIPO MALZBIER
- 15gr de lúpulo
- 3,5gr de quilaya
- 180ml de corante caramelo
- 400 mg de fermento
- 30 tampas
Modo de Fazer:
- Ferver numa panela 40 minutos o lúpulo com a quilaya.
- Depois coar por meio de um pano e despejar este caldo num
recipiente de uns 20 litros de capacidade.
- Adicionar o açúcar, mexendo até dissolvê-lo completamente.
- Depois, adicionar o corante caramelo mexendo igualmente.
- Depois, adiciona-se o fermento, previamente dissolvido num
pouco de água.
- Feito isso, tampa-se o recipiente com um pano e deixa-se em
repouso durante 48 horas, depois pode-se engarrafar o produto.
- Colocar o fermento em água morna e nunca quente.
Observação: O corante é opcional. Se não colocar ficará a
cerveja "loirinha", como a maioria gosta.
A Cerveja de Arroz
Os presidiários de Porto Alegre fabricam no interior das
celas, às escondidas, uma original cerveja de arroz. Eles gostam de receber de
presente latas de bolachinha. Esvaziada a lata, colocam dentro dois dedos de
arroz cru e enchem com água, colocando nesta uma colher de açúcar. Fecham a
lata hermeticamente e com cordas ou arame, a lata é ainda atada e reatada
muitas vezes. Isto posto, a lata é apertada embaixo de um móvel pesado,
normalmente a cama do presidiário. Trata-se assim de evitar que a fermentação
cause a dilatação do recipiente. Depois de 3 dias ou 4, o presidiário em sua
cela reúne os companheiros com copos ou canecas na mão. Desata-se a lata e tudo
estoura numa grande explosão de espuma. A cerveja assim elaborada é consumida rapidamente.
O Vinho
O Rio Grande do Sul já produzia bom vinho, ao estilo
português, antes da chegada dos italianos, em 1875. Em Rio Grande, Rio Pardo e
no Alegrete, os viajantes e cronistas do século XIX sempre destacavam a
produção de vinho. Mas foram os italianos e seus descendentes os que elevaram a
produção do vinho gaúcho a níveis internacionais em matéria de variedade e
qualidade.
O vinho artesanal, "de cantina", como se diz, é
produzido muito facilmente, só precisando de observação permanente. Colhe-se a
uva e, com casca e talos, a fruta vai para um grande recipiente, onde será
"pisada", macerado com os pés até virar uma polpa. Essa massa pastosa
vai para uma pipa, colocada em nível superior. Aí fermentada e os detritos
boiam. Esses detritos são retirados, depois da fermentação e o mosto passa para
uma pipa, colocada em nível mais inferior, um degrau grande abaixo da primeira
fermentação. Aí, fermenta de novo. Retiram-se de novo os detritos que boiam e o
líquido já quase vinho passa, finalmente, para a última pipa, colocada ao rés
do chão. Aí amadurece até virar vinho. Simples. Apesar de toda a sofisticada
industrialização, do uso de fermentos especiais, ainda se faz vinho assim no
Rio Grande do Sul, sem qualquer química extra.
O Café
No Estado, toma-se o café puro, o café com leite, o café
preto engrossado, o café com leite engrossado, o "Camargo" e o café
de chaleira. Muita gente tem pés de café até em pátios das cidades grandes e
produzem o seu próprio café. Colher os grãos quando estão maduros, deixar os
grãos secarem ao sol, torrar (até em chapa de fogão) e moer, é relativamente
fácil. Quem não tem aquelas maquinazinhas de moer, pode usar o pilão ou pequeno
almofariz, tão comuns nas estâncias.
O café puro é igual ao café no resto do Brasil. O gaúcho dos
galpões gosta do "café de chaleira": bota-se a água a ferver em um
recipiente. Sobre a água, põe-se pó de café, puro, mexendo bem. Quando levanta
a fervura, coloca-se uma brasa na mistura e há uma precipitação do café,
depositando-se a borra no fundo. Então, serve-se o líquido, forte e cheiroso e
é só adoçar a gosto. O café-com-leite é igual ao do Brasil, mas as crianças
gostam de engrossá-lo com farinha de mandioca, mexendo bem para não embolar.
Fica um pirão mole delicioso. O mesmo se faz com o café preto. No inverno, é
muito nutritivo. O "Camargo" é serrano: bota-se tintura de café com
açúcar no fundo do copo e aí se tira o leite da vaca diretamente no copo. É
saboroso, mas algum estômago mais delicado, não acostumado, pode estranhar o
"Camargo", com resultados desastrosos.
Água
Existe muita água mineral no Rio Grande do Sul, com efeitos
medicinais. Nas estâncias, o poço de roldana, o algibe, fornece água de balde.
Ou então, a água vem de cacimbas, arrastada em pipas de zorra ou com rodas.
Água não se nega nunca e se mais de uma pessoa vai beber de um copo grande onde
alguém já bebeu, antes de passar o copo põe um pouco de água fora, para que o
próximo a beber não conheça os seus segredos.
Sucos
No Rio Grande do Sul se faz suco de tudo, cada um melhor que
o outro. Existem até espremedores de vidro, que ajudam muito. Quando não tem,
espreme-se a mão, mesmo.
Outras Bebidas
• Chocolate:
Bebida de inverno, grossa e espessa, com leite e às vezes até com gemada. É
mais dos gaúchos ricos.
• Cacau: Substitui
às vezes o café da manhã. É quase um chá. Também exclusivamente dos filhos dos
estancieiros.
• Chá: Bebida
preferida por muitas estancieiras, suas parentas e amigas. As famílias pobres
fazem chá de tudo que é erva e folha, com intenções medicinais, normalmente.
• Jacuba: Antiga
bebida gaúcha, preparada de vários jeitos, conforme a região. Existe jacuba de
mel, café, de água, de leite e de cachaça. Leva farinha de mandioca, sempre e
às vezes até queijo ralado.
• Cafilho: É um
"café" feito com grãos de milho torrados. Usadíssimo, ainda hoje.
• Pula-Macaco:
Sangria, de vinho, na Serra.
• Consertada:
Cachaça fervida, com açúcar canela e erva-doce.
• Apôjo: É o leite
final que a vaca guarda para o terneiro. É o melhor leite, que os campeiros
gostam de tirar para dar às crianças.
• "Sangue":
Nas carneações, sempre aparece um carneador tomando goles do sangue puro,
jorrando. Dizem que é um fortificante excelente. Na "matança" do
Batuque, nos "pégis" secretos, sempre os crentes bebem o sangue
quente dos animais que estão sendo sacrificados.
• Licor: Mulher
campeira faz licor de tudo, com a base de cachaça: licor de uva, de butiá, de
pitanga, de ovo, entre outros. Os licores são bebidas exclusivamente femininas.
• Vinho de Laranja:
Bebida tradicional, um dos orgulhos da cidade de Caçapava. Obtém-se pela
fermentação com açúcar de laranjas comuns.
• Jerupiga ou Jurupiga:
Vinho especial, tipo vinho do Porto, que se faz na Ilha Grande dos Marinheiros,
no largo da cidade marítima de Rio Grande. Excelente.
• Graspa:
Aguardente da casca da uva, feita pelos "gringos" (descendentes de
italianos). É muito forte. Mas o gringo toma graspa até no café da manhã.
• Limãozinho: Não
confundir com a brasileira "caipirinha". O limãozinho é feito com
cachaça, açúcar e suco de limão, tudo bem misturado. É muito forte.
• Capilé: Refresco
de verão, muito popular entre os adolescentes. Põe-se um pouco de vinho tinto
em um copo e logo água e açúcar a vontade. Gelado, é saborosíssimo.
• Quentão: Bebida
de inverno, com vinho, água, canela, açúcar e uma casquinha de limão ou
laranja, tudo fervido e servido quente.
• Bebidas Especiais:
Porque salgadas, mas muito comuns, são os copos de caldo de sopão (a rigor, um
consommé) que todo mundo aprecia e os copos de caldo de feijão, muitas vezes
saboreado com pedaços de pão.
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